sábado, 21 de maio de 2011

O terremoto que abalou as estruturas brasileiras

Família brasileira, que há mais de 12 anos se mudara para o Japão em busca de melhoria de vida, retorna à terra natal após o desastre que abalou o Japão e que, também, abalou o sonho deles: o de construir a vida em outro país


Eram 14h46 da tarde (2h46 em Brasília) quando a brasileira Solange Regina Massani Dochi, residente em Oyama –Shi, no estado de Tochi Gi-Kin, a aproximadamente 60 km da capital do Japão, Tókio sentiu a terra tremer pela primeira vez naquele dia, um tremor leve e comum, fato corriqueiro para os demais japoneses, habituados com pequenos abalos, já que o país localiza-se entre duas placas tectônicas. Ela estava na fábrica de alumínio, onde trabalhava, e comentou com as colegas que estavam ao seu lado na hora do abalo. Uma delas ainda falou que não estava sentindo nada. Solange, então, pediu para que ela colocasse a mão no chão e sentiria o pequeno abalo. Quando sua colega se inclinou, começou o pesadelo. O tremor intensificou-se, o apito da fábrica – que Solange estava habituada a ouvir quando ocorriam estes eventos naturais – soou, sua amiga sequer conseguia se equilibrar para levantar novamente, pedaços do teto da fábrica começaram a desabar, o líder da fábrica gritava “go”, “go” (vá, vá) e apontava em direção a imensa porta de saída de emergência, que pesava mais de ½ tonelada e que despencara com o terremoto. Até então, Solange, que morava no Japão há mais de 12 anos, não tinha a concepção de que estava presenciando o maior terremoto que já houvera no país e o sétimo maior da história. “Eu já tinha presenciado inúmeros abalos, alguns terremotos fortes, mas, a impressão que tinha naquele momento era de que este era o mais forte e o mais demorado, desde a época em que me mudei nunca um tremor demorou tanto”. Solange, juntamente aos demais funcionários da fábrica, correu para a rua a procura de abrigo, já que o galpão estava com suas estruturas físicas abalada. Seu esposo, Celso Massami Dochi, trabalhava a apenas 20 minutos dali, na fábrica de eletrônicos da Sony e sua filha, Amanda Naomi Dochi, de nove anos, estava na escola, que ficava a aproximadamente 25km de seu emprego. “Na hora eu só conseguia pensar na minha filha e esposo”. Eu tentava desesperadamente falar com o Celso, que estava mais próximo da nossa filha. Eu fui a única da fábrica que conseguiu, naquele momento, falar com um familiar. Quando meu esposo atendeu, as únicas palavras foram: eu to bem, você ta bem? Quem chegar primeiro pega a Amanda na escola,me encontre em casa! E desliguei o telefone. Eu não fazia ideia real, ainda, da devastação daquele terremoto. A caminho de casa, Solange ligou o rádio e colocou na estação de noticias local, para saber o que estava acontecendo. “A rádio informava que havia acontecido um terremoto de 9 graus, o maior de todos que o país já registrara e que deveríamos ficar ‘longe do mar’ – eles não falavam declaradamente do tsunami que estava invadindo as cidades de Miyagi, Iwate e Fukushima. Entrei em desespero, mas, salvar minha filha e meu esposo era as prioridades minhas naquele momento”. No caminho da escola, onde apanharia Amanda, ela se deparou ainda mais com a gravidade daquele evento: “eu levava em média 15 minutos de carro até minha casa, naquele dia levei quase duas horas e o cenário era de guerra, ruas e prédios destruídos, pessoas desoladas, para piorar, não conseguia mais contato com o celular do Celso”. Ela ainda tentou sacar dinheiro no caixa eletrônico, mas devido a falta de energia nada funcionava. Passou em uma conveniência e já havia filas para a aquisição de alimentos. Quando chegou a casa, Solange se deparou com utensílios e alimentos jogados por toda a casa, devido ao terremoto. Ela e Amanda estocavam os alimentos que restaram em uma caixa enquanto esperavam Celso, que costumava levar em média 40 minutos no trajeto do serviço até sua casa e que, naquele dia, levou mais de quatro horas. Apanharam o que conseguiram e colocaram no carro, inclusive alimentos, cobertores, lanternas e remédios e partiram, assim que Celso chegou, rumo à casa de um primo, em outra cidade, a 60 Km de lá – sentido capital-, e que não havia sofrido tanto com o terremoto. “Meu marido dirigia o mais rápido que podia, várias ruas estavam interditadas, pois havia inúmeros destroços de casas, apartamentos, durante o trajeto desviávamos por ruelas e, até mesmo, em meio a estradinhas rurais dos arrozais, passávamos por lugares que eu nunca havia passado de carro, era meio que instinto de sobrevivência, e o cenário era de guerra: dezenas de helicópteros sobrevoando nossas cabeças, águas jorrando pelos hidrantes, destruição, correria e desespero!” A entonação da voz se atropela ao narrar os fatos, Solange ainda esta traumatizada com o que vivera. Aquele percurso, que levaria em média uma hora de carro, devido ao caos instalado, levou mais de cinco horas. Na casa dos primos, onde permaneceram por três dias, eles ficavam sabendo através de noticiários e, principalmente de amigos, o que de fato havia ocorrido e da imensidão da devastação do terremoto, além de discutirem o retorno ao Brasil. “Meu esposo e seu primo queriam que nós, mulheres e crianças, voltássemos ao Brasil, mas, como sabíamos da gravidade, decidimos, a muito custo, que voltaríamos todos, mas havia outro, porém, estavam um caos os aeroportos e não havia passagem aérea”. Solange e Celso, resolveram voltar para casa para agilizar o processo de mudança, mesmo porque havia, além do terremoto e do tsunami, o risco eminente de intoxicação radioativa que havia vazado da Usina Fukushima Daiichi. “Comprei água, comida, completamos o tanque do carro para voltar à Oyama-shi. Lá, ligamos para uma empresa de container e contratamos o envio do que restou de nossa mobília e eletrônicos, ligávamos a inúmeras agências à procura de passagens, sempre com a mesma resposta: não há passagens”. No segundo dia após nosso retorno, meu esposo entrou em contato com uma agência que disse que havia já uma reserva em seu nome. “Durante o terremoto eu havia entrado em contato com uma agência e, como não estava funcionando direito o serviço de telefonia, deixei recado na caixa-postal falando que queria reservar cinco passagens para o Brasil e pedindo retorno assim que estas estivessem liberadas, mas, acabei me esquecendo deste fato. Meu marido confirmou a reserva, tínhamos 3 dias para nos organizarmos, conseguir dinheiro (os bancos não funcionavam) para pagar a passagem e voar rumo ao Brasil. No dia 21 de abril, dez dias depois da catástrofe, voamos eu, minha filha, o casal de primos do meu esposo e seu filho para o Brasil. Celso ficou por mais uma semana, para empacotar nossas coisas e enviar para o depósito do porto, além de efetuar o pagamento de algumas pendências que haviam ficado e encerrar nosso “ciclo” naquele país”. Solange conta que aprendeu muito durante os 12 anos em que viveu em outro país:a cultura, o respeito com o próximo, a importância da família, do seu próprio país e cultura, além da vivência em outras “terras”, mas, que não há nada no mundo comparado com o Brasil: “precisamos evoluir muito, em vários aspectos como educação, política e tecnologia, mas somos abençoados por vivermos num local geograficamente estável, sem grandes eventos como furacões, terremotos e tsunamis, além de que o brasileiro é especial na forma de se relacionar com o desconhecido, com o novo”, longe de ser ufanista, mas orgulhosa de seu retorno ao Brasil. Passados pouco mais de 30 dias do terremoto Solange, Celso e Amanda lutam para esquecer aqueles dias de angustia e sonham em reconstruir uma situação estável no país, sem abalos. Voltar: no momento não é o desejo deles!

(William Brasil)

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